Desculpa, mas preciso ir embora

Não me culpa, mas é chegada a hora. Que em lugar onde não me acomoda já não me acostumo mais. De paredes que me esmagam o peito me tornei claustrofóbica. Conheço tanto o fim dessa história que meu punho se recusa a continuar o seu curso. Não vou esperar esvaziar o ar do pulmão nem esquecer o movimento das mãos para perceber o que preciso. Que desse poço já conheço o fundo, e ferir a mim mesma há muito perdeu o sentido. Mergulhar de cabeça em concreto não me soa mais como aventura. Lá de cima, um palmo d’água pode parecer oceano, mas na entrega à queda a gente percebe o dano – e então reza pra que o ralado do raso seja reversível. Porque pouca água ainda faz poço, mas pouco amor não é amor. Que não vou mais errar em pedir o que em mim dou tão terno e gratuito. Que graça tem afeto forjado, entregue forçado por um sorriso murcho? Hoje abandono o lápis sobre a mesa e arrasto a mala pelo chão. Vou com linhas de tristeza na ponta de grafite engasgadas, com dor de saudade escondida entre camisetas amassadas, mas com a certeza de que aqui não posso estar. Não me culpa: onde não me cabe, meu querer não se demora.

Desculpa, mas preciso mesmo ir embora. Que minha pressa em partir é inversa ao tempo arrastado em que levei para me descobrir – depois de me encontrar em mim mesma, não posso mais ficar em nenhum lugar que não se pareça comigo. Doeu tanto o percurso até me achar, que não arrisco nenhum passo que possa permitir eu me perder. Prefiro, pois, abrir mão de você. Não vou esperar minha alma se desfigurar até o espelho deixar de me reconhecer. Que despedida nenhuma traz tristeza maior do que se afastar de si. E essa história eu também já conheço: ferida mais funda não há. Ainda vivo a costurar o tecido de um peito já cheio de remendo, mesmo nem crendo que um dia fique pronto. Paciência, ponto a ponto – outra escolha não tenho. E que se não for pra me trazer conforto enquanto a linha torta tenta tornar de novo inteira a minha pele, não me serve. Ninguém vai me tirar de mim, decerto, enquanto eu luto pra me ter por completo. Adeus, pois, a quem parte – porque eu não me permito mais ser partida. Que pela primeira vez sou minha prioridade. Finalmente, já tão tarde. Equilibrar dilúvios e dúvidas é uma habilidade que me desfaço. Amor dosado e doído por hoje também passo. Por isso, é chegada a minha hora. Desculpa: em casa de incerteza, meu coração não mora.

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