Antes mesmo de você chegar

Teus olhos castanhos já tinham a cor mais inebriante do meu jardim antes mesmo de deixarem sementes de afeto caírem escondidas sobre os meus. Quando tua mão nem havia se enterrado pequena em meus cabelos, arando fios terrosos no vaivém de um cafuné, em meu peito já respirava risonho o primeiro broto de bem-querer. Antes de o céu da tua boca me ofuscar com um dia azul, e tua língua incendiar lambidas de luz do sol pelas varandas do meu corpo, eu já me debruçava pela janela em total hipnose. Antes de tua paisagem pousar em meu quintal, você já se parecia com a minha paz.

As molduras do teu sorriso ainda nem estavam apoiadas no meu criado-mudo quando essa se tornou a primeira cena a me desejar bom dia. As paredes do teu abraço – eu ainda nem lhes conhecia a textura – elas já contavam tagarelas que me levariam ao encontro com teu peito, e que – no mundo inteiro – aquele haveria de se tornar o meu canto favorito. Eu ainda nem havia aberto a porta para você entrar, e meus pés já brincavam de desencontrar o chão. Antes de tuas malas repousarem inquilinas nos pés da minha cama, você já tinha gosto de ficar.

O teu toque já havia ancorado suspiros em minha pele antes mesmo de teus dedos navegarem aventureiros por minhas costas. Eu já mergulhava sedenta nas ondas de calor do teu corpo, quando ele ainda nem havia afogado o meu em suor. Antes de tua voz se enroscar em meus ouvidos e trazer tempestades à boca do estômago, a brisa do teu hálito já era o momento mais esperado do dia. Teu sabor ainda nem havia molhado a superfície dos meus lábios quando eu me descobri completamente imersa em você. Antes de meu leme cruzar o teu norte, você já se desenhava em meu mapa como porto-seguro.

Agora, em minha janela os passarinhos cantam uma canção com teu nome. Meu lar é um abraço com teu toque. Minhas velas são lençóis costurados com teu cheiro. Em tu, eu desalinhei os remendos da bata de dormir. Em mim, tu desalinhou a arrumação da estante e as certezas. Em tu, fiz partir um pedaço de sorriso que agora também é meio teu. Em mim, tu fez ficar uma fronha velha e o vazio em um espaço que eu nem admitia existir. Eu, que já havia experimentado tua falta antes mesmo de ter presente. Tu, que levou embora as malas que descansavam nos pés da minha cama e deixou no lugar a bagagem pesada da ausência.

Agora, o teu caminho é partida. O meu, saudade.

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