A minha pele ainda se lembra

Minha pele ainda se lembra de quando estava intacta. Lembra de mergulhar em ondas de arrepio a cada anúncio da tua chegada. Da pulsação acelerada ao giro da maçaneta, denunciando a fome para teu corpo se adentrar ao meu. De como era bem-vindo esse saciar de saudades. Minha pele se recorda da sensação da sala bagunçada, roupas e risos se confundindo num misturar astuto, por horas que não eram compostas por minutos, mas por eternidades. De como o teu perfume se agarrava ao meu hidratante e assim fazia nascer o nosso cheiro. Minha pele sabe descrever sem rodeios os tons vermelhos que teus dedos imprimiam à frágil capa das minhas coxas. É capaz de distinguir a voz rouca de cada poro implorando um toque a mais, e confidenciar o encarte que compôs para guardar tuas digitais.

Ela tem memórias dos resmungos que exclamava por debaixo do casaco, nas noites de vinho e vento frio no terraço. De como ao teu lado era leve o meu passo, que se acostumou a andar sem o incômodos dos calos. Minha pele se recorda do caminho que o suor abria nas tardes ensolaradas em que dançávamos pelo quarto ao som de um disco qualquer, que para essa festa acontecer a verdadeira atração era a gente se ter. Ela ainda sabe descrever em minúcias o frescor da água do chuveiro morno, que não se decidia se pingava sobre o meu ou teu corpo, confusa ficava diante da imensidão de nós. Minha pele conta tantas vezes tantas histórias que já não sei se escuto memórias ou invenções. Ela repete que você é a sua tatuagem mais feliz. Eu escuto cheia de atenções, e no fim lhe lembro: é preciso curar essa cicatriz.

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