Diálogos com Seu Moço XVII

Seu Moço, interrompe o correr dos dias. Te coloca em sorrateira vigia das folhas do calendário – é que toda manhã nos soterra com minutos vários, mas o contar do meu peito há muito está estagnado. Lá fora tudo se desdobra, e aqui dentro não se passou nem uma hora. Vamos fazer esse pacto? Segura aí no céu um eterno entardecer. Eu assumo a missão de quebrar cada relógio que nos maldizer. Sumo sem permissão com todo segundo e cada fração que se colocar em meu caminho. Passarei por todo pulso e parede, por cada tela e rede. Vou destruir pixels, ponteiros, talvez um ano inteiro. Nem os sinos das catedrais poderei poupar na minha heresia.

Seu Moço, eu tenho sido pisoteada por toda essa correria. E dia após dia não há pausa pra voltar a me erguer. Está selado nosso pacto? Meu peito não suporta mais a crueldade deste fato: o tempo tem engolido abraços e tirado de nós as pontas dos laços. Quanto tempo nos tem sido roubado? Não há lógica no tique-e-taque analógico que tudo leva e nada traz, nem no toque-sem-toque que restou entre digitais. Falta espaço aliado pra colecionar novos pedaços de vida, sobra tempo afiado feito aço abrindo novas feridas. Perdi a conta de quanto tempo estou tentando não sufocar com a ideia do que poderia ter sido. Não há mais imaginação pra compor cenas que, porque não vivi, invento. Seu Moço, eis o nosso impacto: vamos parar o tempo.

Vai passar – sopra num minuto um coro de vozes em impulso. Mas engasgado feito soluço, posso ouvir que a contagem não é regressiva, e sim agressiva. Há quantas dores estamos contando? Na ampulheta dos dias, cada grão que cai é uma pedra em livre queda no peito. Deito sobre meu próprio peso, olho pro lado: todos caminham encurvados. Mas antes de adormecerem as lágrimas, acorda o despertador. Temo que não haja mais tempo para nossa aventura, mas pensa em minha proposta, por favor. Parar o tempo por um tempo, Seu Moço, é só o que te peço. Por ora me despeço, pois está na minha hora. O alarme soou e eu estou novamente atrasada – há pressa em seguir em frente rumo a nada.

Comments

comments

Leave a Comment

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *