Seu Genuário em pé defronte à janela
Olha para o céu, e esquece o mundo.
Seus pés nas sandálias de couro gasto doem
de rachados que estão,
de rachados como o chão do Sertão.
Mas Seu Genuário nem se incomoda, de acostumado que já está
com a dor do corpo,
com a dor da alma,
e com a beleza do céu.
Pelas fechas do barro batido, ouve os retrucos de Dalvinha:
Se desembesta, hômi, que olhar céu num há de matar fome!
Vai fazer alguma coisa que presta, pra mode a gente sair dessa moléstia!
Mas Seu Genuário não concorda com Dalvinha
E ele só perdoa sua expressão injusta
Porque sabe o quanto essa vida de penúria lhes custa.
O que há de fazer nessa terra que nada dá?
Há tempos secou-se a última plantação
Há tempos secaram-se as lágrimas do caboclo do Sertão
Que se cansou de chorar.
A dor maltrata gente, maltrata bicho
O descaso assola gente, assola bicho
Até que chega o tempo em que por mais que se tente
Não se sabe mais quem é bicho e quem é gente.
E as rugas na face de Seu Genuário desenham essa história
Melhor do que contaria até mesmo aquele de melhor prosa
A saga de um sertanejo que nas propriedades de outrem, um dia
Ouviu falar numa tal hierarquização
E se perguntou que diabos isso seria
Dalvinha intervém: só pode ser nome de doença
Mas Seu Genuário não concorda com Dalvinha
Doença de caboclo é diarréia, barriga d’água, amarelão
Hierarquização – só se for doença de rico
Porque nunca chegou isso pro homem do Sertão.
E cada dia que vai embora, leva um pouco de esperança
A noite traz amargura pros olhos da mulher, e o choro das crianças.
Sentindo no coração um aperto profundo
Seu Genuário se debruça na janela, pra esquecer o mundo.
Seus olhos brilham como as estrelas
Perguntam-se qual delas será a sua
Não se cansam de percorrê-las.
Ouvindo um suspiro de piedade,
Sabe que Dalvinha se aproxima
Pra também fitar o pedaço de céu pela moldura espessa:
Não perde teu tempo com isso, hômi.
Não há de ser mais que uma promessa.
Mas Seu Genuário não concorda com Dalvinha.
Há de existir algum lugar
pelo qual vale a pena esperar.
Lugar em que se possa colher a plantação
Que não exista pro sertanejo a doença do abandono
E pros ricos, a da hierarquização.
E ela que do canto do espelho os observa – a Virgem Maria
Há de intervir por eles nesse outro mundo
Porque agora parece estar ocupada em demasia.
Enquanto isso, Seu Genuário em pé defronte à janela
Olha para o céu, e esquece o mundo.
Pergunta-se em qual daquelas estrelas verá sua vida nascer.
Porque vida – e nisso ele há de concordar com Dalvinha
Ah! Vida isso num há de ser…
Texto originalmente publicado no site Revertério.
Procurando inspiração na net para um história que escrevo sobre o Sertão e, me deparei com isso aqui. Olha, não sei nem o quê dizer. Me faltam palavras, e isso é bom demais. Parabéns!
Que felicidade em ler isso, Daniel! Muito obrigada. E boa sorte com sua história!