Basta um sopro

Perdoa-me pelas ausências das minhas palavras-paredes a te aconchegar em segurança quando tu bates à minha porta. Lá fora vejo tudo fechado, e sinto que janelas e varandas também se fecham dentro de mim. Perdoa-me, pois minha força-tijolo já não me obedece mais. Sinto que basta um sopro leve em meus ombros para eu desabar em mim mesma. Fecham-se portas, janelas, varandas e frestas – basta um único sopro.

Perdoa-me se perdi o jeito de misturar-me ao que constrói, e agora tudo o que me toca se corrói. Afasto-me em silêncio para não correr o risco de te arrastar em meus escombros. Jamais aceitaria te partir em pedaços com minhas próprias rachaduras-cicatrizes. Perdoa-me pelo café preto com cigarro no desjejum. Dizem que a primeira refeição é quem sustenta o dia, e só assim tenho encontrado algum sustento para não desabar de mim. Basta imaginar o sopro, que já me contorço em calafrios.

Perdoa-me por esse grande medo inquilino que agora se ocupa de todos os cômodos da minha casa-coração. Tanta energia ele tem me sugado, que toda a vizinhança mesmo fechada escuta o grito de clemência quando me lanço ao interruptor. E assim eu me desligo do mundo – só um sopro e eu desabo de mim, dentro de mim mesma. Perdoa-me, pois sem luz nem sempre é possível enxergar sentido. Talvez haja outra perspectiva, mas já não me lembro de como encontrá-la. Perdoa-me por andar, assim, vedada. Temo o sopro na mesma intensidade em que temo sufocar. E é assim que, daqui de dentro, tenho reaprendido a respirar.

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