Quem estará por ti, pequena?

estorias Quem vai te estender a mão, pequena, quando as injustiças do mundo ficarem grandes demais a ponto de te engolir? Eu bem sei que tu finges ter ombros mais fortes do que realmente são, e tentas esconder a dor de si mesma na esperança de que ninguém mais a descubra. Quantas máscaras tu tens usado para que não notem o peso dos teus passos? E teus disfarces, quanto custam?

Quem vai ler nos teus olhos, pequena, a agonia das noites em que as lágrimas derrubam as comportas do teu peito? Tu tentas disfarçar com uma pintura em frente ao espelho, mas por dentro, as retinas continuam em carne viva o dia inteiro. Quem se dará ao trabalho de te virar pelo avesso, te despir os medos e te fazer um curativo? Quem ao menos vai evitar te tocar as feridas? Se queres minha sinceridade, pequena, acho mesmo que não haverá nessa vida amor disposto a te fazer esquecer tantas cicatrizes. Não os culpe. E nem se culpe – não mais.

Quem vai te soprar ar, pequena, quando o silêncio te engasgar a ponto de roubar a respiração? Eu bem sei que tua coleção de palavras não ditas começou quase ao mesmo tempo em que aprendeste a dizê-las. Em prol de quem tu as tens guardado? Quem se oferecerá para dividir esse fardo? Alguém ouvirá o que gritam teus lábios imóveis? Eu tenho te falado, pequena, que a gente não pode se deixar partir em cacos para manter o outro inteiro. No fim, só o silêncio será testemunha do teu esforço em catá-los um a um.

Quem estará, ao menos uma vez, mais preocupado em dar do que em receber? Logo tu, pequena, que sempre estiveste a abrigar quem procurou consolo. Quem lembrará de bater na porta antes de entrar? Quem irá se dispor a arrumar a bagunça em vez espalhar novas angústias pelo chão? Alguém irá enxergar o teu desconsolo quando tu não tiveres mais força para ser abrigo?

Logo tu, pequena, que os marinheiros juram ser porto seguro. Eu bem sei que há tempos as ondas andam cavando buracos em teu peito e dissolvido os sonhos em areia. Terra firme agora é uma lenda rezada na incerteza. Não há bússola que te oriente para aonde ir e nem âncora que te diga por que ficar. Que dirão quando descobrirem quantas vezes tu já te afogaste em alto mar?

Imagem: divulgação

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