Fiquei imaginando o que poderíamos ter sido

Tive vontade de te escrever. Descrever em frases poucas que há muito desisti de desatar nossos nós. Eu e você ainda somos uma coisa só, estampando o plano de fundo das minhas pálpebras. Cada vez que fecho os olhos, tenho vislumbres dos nossos plurais. Tive vontade de te endereçar as caixas de palavras não ditas que tenho guardado no depósito do meu peito. E com elas dizer o quanto desejei pegar o telefone, extasiada pra te contar sobre a nova proposta de trabalho, perguntar como anda o mestrado e dizer que finalmente acertei o ponto daquela receita de torta de legumes. E quem sabe confessar a falta diária que você faz.

Tive vontade de me desenhar. Enviar pedaços meus em formato de caligrafia torta pra te dizer que eu continuo sendo exatamente aquilo que você deixou. Em meus contornos e curvas ainda mora o teu encaixe. Meu olfato ainda guarda, em segredo, o teu cheiro. Meu livro de memórias descansando na cabeceira se recusa a virar a página – toda manhã o vento fino que entra pela janela lambe as folhas amarelas e para exatamente no teu capítulo. A cada dia eu sou obrigada a relembrar um abraço comprido e uma promessa não cumprida — e imaginar mais um pedaço do que poderia ter sido. E então eu deságuo as minhas comportas no papel e te transponho para uma nova metáfora. Te chamo de mar aberto, de terremoto e de casa. E quem sabe deixe teu endereço impresso nas entrelinhas.

Tive vontade de te reinventar. Fazer de conta que não conheço os nossos erros de concordância e traçar outra semântica para os nossos termos. Todas as noites, antes de dormir, eu balbucio essa oração. Quis te transformar no personagem que eu mesma criei. Entregar com ternura à tua pessoa verbos que eu estaria disposta a conjugar ao teu lado. Eu desejei te fazer meu neologismo, te inventar do início ao fim e dizer que você tem o significado mais bonito que eu já vi. Tive vontade de reescrever nossa história e dar a ela uma felicidade sem fim. Enquanto isso, eu escrevo mais uma estória que nunca vivi. Vou colocar teu nome no destinatário. E guardar este papel no depósito do meu peito, junto com todas as outras palavras que eu nunca te entreguei.

Este texto foi escrito especialmente para minha coluna no E aí, guria?

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