Diálogos com Seu Moço XVII

Nesses dedos onde mora vasto pleito de palavras, costumava rumar o ritmo doce da certeza. Onde lhe deixei? A caligrafia já nasce torta. Desses medos que agora o meu peito desbravam, me escorrega o remo ao ritmo violento da correnteza. Onde me afoguei? A esperança já nasce morta. Corta meu pulmão cada nova respiração a que tento me agarrar enquanto o mar é meu chão. Concreto não há mais – nem das paredes, nem dos anos. Incerteza agora é cais – de embarcações e de planos. Oceano me engoliu e se travestiu de lar. Mar é tudo o que sobrou depois do dano. Em minha pele tem viva água em fornada, em meus olhos têm água guardada, em meu peito tem água salgada; em meu leito de alga tem algo escondido embarricada: uma caixinha de ar.

Lar é o que vai sobrar depois que eu engolir cada gota de oceano. Não me engano: se grande ele é, maior preciso ser. Que nosso tamanho a gente só conhece quando se mede na sombra do quenos faz temer. Se ele vem com tormenta, preciso me manter são. Se ele é presságio de desolação, preciso me fazer duro. Aqui no escuro, a conchinha que encosto ao ouvido tem a melodia de uma respiração. Será sonho? Será sereia? Que a esperança morta – feito água viva – há de boiar até a superfície e nos guiar pela areia. Em vez de abrir ferida, trará salvação. Será verdade? Talvez sim, talvez não. É que sobreviver é mais do que inspirar e expirar– por mais tanto se afirme. É mais que a consciênci adurante o afogar – por mais que isso se confirme. Mas o que nos mantém realmente vivos, Seu Moço, é acreditar que ainda há terra firme.

Comments

comments

Leave a Comment

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *