Últimas palavras

A manhã nasceu sussurrando tristemente o anúncio do seu presságio.  O vento frio entrou pelas brechas da janela e gelou seu coração. Titubeou por um momento, mas se conteve e fez de conta que ainda dormia. Naquele dia, seria preciso escolher cuidadosamente todas as palavras que daria vida em seus lábios. Com a mesma certeza que o tato dos cegos, sentia que seriam as últimas.

Ainda assim, falou de sentimentos, sorrisos e futuro. E mesmo sem conseguir dar uma atribuição lógica para isso, sabia que tudo era feito carinhosamente com as pinceladas mais doces da sua sinceridade. Desenterrou os sonhos de outrora e os entregou ali. Foi minuciosa nas palavras, pois aprendera a presentear com flores aqueles que se vão.

Por isso, falava tudo num futuro do pretérito bem claro, mas que ele nunca entenderia, pois sempre fizera questão de viver apenas entre os números. Mas ela foi verdadeira. Ele achou que entendeu. Ela sempre estivera ali. Ele sempre soube que ela estaria ali – mesmo sem saber ao certo o que significava essa conjugação. Foi quando amanheceu aquele céu cinza em um dia frio. Então, algo mais forte separou, ali, o futuro e o pretérito.

A noite caiu e trouxe consigo a hora de maior angústia – aquela em que não se pode mais prolongar o fim. Se houve um último beijo, nem lembra mais. Talvez o cansaço tivesse falado mais alto, e ela continuasse optando por evitar despedidas. As últimas palavras foram ficando trôpegas, embriagadas pelo sono. Então, assim como a sua história , foram perdendo a força, sussurraram alguma coisa qualquer e perderam a importância. Sem consciência de si, calaram-se.

 

 

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