Perdoe a minha falta de amor

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Perdoe o meu amor, pois ele é pouco. Não é o bastante pra te invadir os pulmões e roubar teu ar, provocando pequenos delírios. Ele é tímido, e vai apenas se roçar pelos teus calcanhares quando você pisar na areia molhada. Se mergulhar, não espere amor em ondas violentas. Ele prefere pairar com calma sobre a praia, enquanto te observa em molduras de sobrancelhas arqueadas. Meu amor não afoga. Ele afaga, em pequenas gotas d’água que deixo te umedecer o corpo quando saio do banho direto pro teu abraço.

Perdoe o meu amor, pois ele é rouco. Não espere vê-lo gritar teu nome da janela quando estacionar o carro na calçada em frente. Ele vai preferir depositar um sussurro no teu ouvido depois que tua roupa estiver acomodada nos pés da minha cama. Meu amor gosta de morar na segurança das palavras não ditas. Esconde-se num olhar demorado enquanto minhas mãos o acobertam, despenteando teus cabelos. Ele vai fazer uma brincadeira tola sempre que você confrontá-lo, apenas para abafar o som das batidas aceleradas do meu coração. Toda vez que se cala, lá do fundo ele me fala que o silêncio é a melhor inspiração para te compor canções.

O meu amor é pequeno. Nunca foi capaz de arquitetar uma deslumbrante cena novelesca. Não pode pintar grandes emoções em tua face, tampouco arrancar aplausos do público. Perdoe-o, pois ele nunca teve muito talento para espetáculos. Ele é franzino, e o melhor que vai conseguir é empunhar um lápis para traduzir em desenhos frágeis os retratos que guarda das tuas expressões. Ele vai te vestir em personagens vários e inventar estórias pra você protagonizar. E no meio delas, sem ninguém perceber, o meu amor vai afirmar com clareza que é você o seu par.

O meu amor não é inteiro. Faz-se despedaçado, como o salgadinho que compro pra acompanhar religiosamente a nossa cerveja de sexta à noite. Ele está na lã do cobertor que eu tiro dos pelos do teu braço todos os dias. Cabe na palma das minhas mãos, sempre que as fecho em volta do teu rosto antes de derramar meus lábios por tua pele alva. Meu amor é feito em pedaços. Costumo depositar um pouco dele no fundo da tua caneca, para adoçar o café. Outra parte fica alojada nas pontas dos meus dedos, e eu te entrego em um carinho disfarçado, percorrendo com eles o teu peito nu. Há amor ainda esparramado pelo lençol, quando atravesso uma perna na tua. E sempre que eu te entrego uma meia limpa antes mesmo de você reclamar dos pés gelados, estou te entregando um pedaço de amor.

Perdoe o meu amor pelas suas faltas. Pelos seus vícios e ilícitos. Pelos defeitos e mal feitos. Sua rebeldia e teimosia. Eu tento dizer a ele todos os dias para te deixar ir viver um sentimento grande, gritante, inteiro. Mas o meu amor – perdoe-o por isso também – ele insiste em ser teu.

Imagem: reprodução.

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3 Comentários

  1. Que coisa mais linda! Sou sua fã e leitora assídua dos seus textos. E esse me encantou tanto, é uma leveza nas palavras tão linda! Parabéns! Parabéns! Você é uma escritora maravilhosa e eu te admiro muito! Beijos

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