Eu te esperei

Eu esperei te ver pelo olho mágico da porta do meu apartamento. Olhar firme e gravata frouxa. A cada fim de tarde, ao coar o café, te esperei chegar de surpresa e tocar a campainha com o mesmo frio na barriga que eu tocaria em teu rosto com as costas das mãos. Se desculpar por estar vindo direto do trabalho, culpar o metrô cheio pelo paletó amassado e justificar que não aguentaria mais um dia sem ter a certeza de que desatar não combina com nós. Então não seria necessária mais uma única palavra – a gente se amarraria num abraço e colocaria fim nas pontas soltas. Quem sabe então o peito cedesse à agonia, e o único aperto que ainda nos acompanharia fosse o do entrelaço dos nossos braços.

Eu esperei te ver no laço mais bonito a que eu já me atei. Te esperei trazer em teus olhos, quase embalada em papel de presente, a certeza de nós. Sussurrar em meu ouvido que nenhum terreno movediço iria engolir os nossos passos – e me fazer reconhecer na tua voz a minha melodia preferida. Segurar em minha mão para só então eu encontrar o equilíbrio que não mais conhecia. Me guiar até o porto que fizemos seguro, aonde, perdida, eu já não sabia chegar sozinha. Aí quem sabe a minha âncora voltasse a beijar o teu mar, e o barulho do vento lambendo as ondas me fizesse lembrar que não há mistura mais gostosa do que a minha gargalhada na tua. E quando a gente voltasse à superfície depois de um mergulho sob a lua, essa seria a única água salgada que voltaria a escorrer pelo rosto outra vez.

Eu esperei te ver no terreno em que escolhi pra fazer morada. Te esperei chegar com todos os teus móveis e manias. Trazer os tijolos e iniciar uma briga sobre quem prepararia o cimento e as vigas. Mas não haveria muito trabalho – era só o teu cheiro se roçar em meu nariz por alguns segundos pra eu saber que o meu lar sempre esteve alicerçado no teu peito. Quando meu arrepio abraçasse teu toque, quando teu beijo lembrasse meu norte, quando o teu suor desenhasse em meu corpo a minha tatuagem mais bonita… Ah, rapaz, então eu faria do nosso amor o meu chão. De paredes seguras, bagagens velhas não ameaçariam entrar. A gente passaria o trinco na porta e se aconchegaria num sofá pequeno – talvez defronte a uma lareira, talvez no meio da sujeira de embalagens de salgadinhos que espalhamos por lá. Você cantaria em meu ouvido. Eu te retribuiria com o meu mais terno riso. E voltaria a acreditar que não há lugar mais feliz para morar do que na confiança da tua promessa.

Os lençóis limpos que estendi pela cama ainda estão aqui, como testemunhas. O café coado para dois também. Assim como o teu chocolate preferido no meu carrinho de supermercado, as folgas agendadas no trabalho, os compromissos engavetados e a engenharia dos planos. Em cada pequeno detalhe dos meus dias habitou um pedaço de espera silenciosa pelos teus mínimos sinais. Qualquer pessoa que cruzasse por mim na rua podia ler o vazio dos meus olhos – eu nunca fui boa com teatro, é bem verdade. Mas a campainha permaneceu em silêncio durante todo esse tempo. Assim como tuas canções de aconchego, alarmes de desejo, palavras de sossego e ruídos de carinho. O teu bem-querer ficou mudo. E as únicas coisas que se espalharam pelo chão foram a correspondência diária e as tuas desculpas tortas.

Talvez a tua completa ausência seja apenas a soma das pequenas faltas que você vinha aos poucos me entregando, e esse quociente seja o resultado daquilo que não tem mais conserto. Mas eu também não sou boa com matemática, você bem sabe. Talvez por isso, nem na tua melhor explicação, eu nunca tenha conseguido entender a ordem dos fatores que nos transformou em subtração. O porquê das coisas continua sendo incógnita. Minha cabeça se partiu em interrogações; e meu peito, em reticências. Mas a vida quis assim e ponto. Então, finalmente desisti de esperar clareza de todos esses sinais – os de equação, os de pontuação e os do teu bem-querer. É que agora fiz as pazes com os ponteiros do relógio – eles me apontaram que é hora de trocar novamente os lençóis e o xis da questão. E que não vale a pena forçar o que deve ser natural, nem pedir o que precisa ser espontâneo – não há tempo perdido que dói mais do que aquele em que esperamos o outro se tornar grande o bastante pra caber no tamanho do nosso afeto.

Faz alguns dias que já não espio pelo olho mágico. De tanto dar de cara com o corredor vazio, percebi que é hora de olhar para dentro. É preciso tirar a poeira de tudo que ficou adormecido enquanto, inerte, eu me aninhava sozinha no sofá pequeno segurando um café frio. Desliguei a campainha, só pra garantir que nada vai atrapalhar a faxina. Depois de lavar a roupa de cama, vou me desfazer da correspondência acumulada e de tudo mais o que estiver pela bagunça do chão. Mas antes disso, vou coar um café novo. Somente uma caneca, dessa vez. E bem passado, como tudo agora deve ser.

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