Caixinha de música

caixinha4-thumbEstava ali, fortemente trancada, não se sabe se pelo tempo ou pela violência com que foi empurrada a tampa. A sua superfície era trabalhada com delicadeza… Traços sensíveis, cores suaves. Mesmo ali, fechada em seu silêncio, a caixinha de música chamava a atenção de quem quer que passasse. Não se sabe explicar, mas de longe possuía uma nuance pouco comum. De perto, surgia uma inexplicável vontade de segurá-la, de conhecer o seu som. Mas, aos muitos toques que recebeu, devolveu dureza.

E então houve um par de mãos que lhe chegou de forma diferente. De início, pareceu ser como tantos outros. Mas esse veio de novo. E de novo. E insistiu naquele manuseio, quase um carinho. Seu toque tinha calor, sua digital ganhou confiança. A contra vontade, ela passou a guardar o seu cheiro. Certo dia, as mãos vieram acompanhadas: uma flor de papel foi deixada sobre a caixinha. Era leve feito uma promessa. Tinha a textura de um beijo. E então, não foi preciso muito esforço: ela se abriu.

Foi quando soou a melodia. E logo a risonha bailarina se revelou do seu interior, dançando feliz. A música era diferente de qualquer outra – dizem que parecia ser cantada pela própria pequenina. Ela rodopiava com graciosidade. Não importava o tempo ou o cansaço – não deixou a canção morrer nem por um minuto.

Mas de repente, estava cantando sozinha. As mãos que abriram a caixinha com tanto cuidado já não estavam mais lá. Ela parou a música, e só então percebeu o silêncio. Não havia o som de passos, ou de qualquer outro ruído que lhe deixasse uma explicação. A bailarina parou sua dança, espreitou. Ousou até chamar um nome. No vazio, apenas o eco da sua própria voz. E, em alguns intervalos, o som de interrogações que transbordavam o seu peito.

Eu tentei avisar à bailarina que, fora da caixinha de música, a vida é uma grande caixa de surpresas. Que nem toda canção de amor é retribuída com outra canção. Ou com amor. Tentei dizer que a gente não deve esperar receber do outro o mesmo que nós damos, porque justiça é um dom para poucos – além disso, há mãos que só estão preparadas para colher. Disse também que a dor possui sua própria nota, e a música que ela compõe pede uma dança sem par. Ela cantava alto, acho que não me ouviu.

Tempos depois, achei que encontraria a caixinha de música novamente fechada. Mas lá estava ela: silenciosa, porém com uma bailarina dançante. A pequena notou o meu espanto, e então me explicou que de lá de dentro era impossível sentir o toque do vento. Ele levara a flor de papel, e aos poucos começara a apagar as canções que ela havia feito pensando nos dias futuros. E o mesmo vento agora era o seu par – ele assobiava a música e conduzia a dança. Não era como as mãos, apertadas quando quiseram fechar, egoístas quando quiseram abrir. Ele simplesmente soprava, lhe fazia sentir, descobrir o movimento… Ela rodopiava novamente, quase como uma borboleta. Mesmo depois de sair dali, eu sabia que ela continuaria bailando – é isso o que as bailarinas fazem de melhor, afinal.

                                                                                                                                                                  Imagem: reprodução.

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2 Comentários

  1. Lindo Sâmia! Quanta sensibilidade! A partir de hoje vou abrir e fechar minha caixinha de música de forma bem diferente. Vou ler tudo que você já escreveu.

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