O viajante, a larva e eu

– Ora, quem és tu, que nunca vi antes por aqui?
– Sou viajante de terras longínquas, e por aqui piso pela primeira vez. E tu, quem és?
– Não vês? Sou uma simples larva, que um dia há de virar uma pupa, para só então tornar-se uma borboleta. Mas conta-me, viajante, o que te trazes neste lugar? O que procuras?
– Meu caminho é a existência, e minha busca é o seu sentido.
– E por que andas com passadas tão largas? Cada passo pode ser decisivo…
– E eu não temo as decisões.
– Mas há de existir obstáculos. Quando o céu ficar cinza, a tempestade virá então dificultar teus passos…
– Quando isso acontecer, farei dela instrumento para lavar-me a alma.
– E os raios e relâmpagos te atormentarão o sono!
– Eles trarão luz para clarear minha estrada.
– Vejo que o que mais trazes em tua bagagem é coragem.
– Engana-te. São lições.
– E onde conseguiste todas elas?
– Preferes que eu descreva primeiro o céu ou o inferno?
– Sim, teu semblante não me mostra apenas experiências agradáveis. Vejo que já tropeçaste e caíste. Trechos tortuosos já te machucaram. Sofreste mágoas e decepções. Já conheceste o agonizar de uma dor.
– E também a dor de um silêncio.
– E onde estão tuas mágoas? Não as vejo em tua bagagem…
– Já te disse que trago apenas lições. Evito olhar para as cicatrizes. Aprendi a perdoar.
– E porque olhas para trás? Por acaso temes o futuro?
– Temer o futuro é tão natural quanto a brisa que sopra à tardinha. Mas refugiar-se em lembranças é tolice. Quem se entrega à caminhada deve aprender a olhar para trás apenas para ver quanta estrada já foi percorrida – e esse é o grande estímulo para seguir em frente. Pois cada passo dado já é uma vitória. E por isso não importa se andaste uma milha ou uma légua: a coragem de tentar já te faz um vencedor.
– Vejo que muito aprendeste ao longo de tua caminha. Foi o mestre Tempo que tanto te ensinaste?
– Eu poderia ter 40 anos ou 17. Nunca é tarde demais para aprender. E nunca é cedo demais para dar o primeiro passo.
– E esse gesto vacilante? Por um momento achei que foste abaixar a cabeça…
– Se eu fizesse isso, perderia de vista o horizonte dos meus sonhos.
– Sonhos! Pretende realizá-los estando tão só?
– Eu nunca estou só. Olhe para a estrada que se estende atrás dos meus pés! Há tantas pegadas nela gravadas que eu sozinho nunca conseguiria deixar. Cada ser que cruza meu caminho deixa marcas. E ainda que eles se desviem – pois cada um deve ser autor de sua própria existência – não deixarão de estar comigo. Da mesma forma como durante o dia não podemos ver todas as estrelas do céu, ainda assim sabemos que elas estão lá. E a noite chega carregada de luzes para nos comprovar isso. Por isso, sempre que eu olho o céu, lembro que as pessoas são como as estrelas. Por mais que eu não possa vê-las ou tocá-las, sei que estarão comigo. E sei também que em algum lugar, por mais remoto que seja, existe alguém que contempla o céu, e então se lembra de mim…
– Pessoas são como estrelas… Uma larva nunca poderá ser algo de tão belo assim…
– Não sejas tola! Tu és invejada por muitos homens. Tua vida é feita de metamorfoses. Um dia, para tu saíres do casulo e deixar de ser uma larva, tu arriscarás tua vida. Os homens não têm essa coragem. Eles temem as mudanças. Preferem viver em meio ao comodismo, estagnados em algum ponto de sua existência, imersos numa rotina enfadonha. Não te sintas diminuída por seres uma larva. Muito espírito humano é bastante inferior a isso. E um dia, tu mostrarás ao sol tuas lindas asas de borboleta. Então tu serás livre. E os homens, por mais que tenham força para vencer as fases de sua vida, por mais que reconheçam a mudança como principal ponto de partida, dificilmente sentirão o sabor da verdadeira liberdade. A realidade exterior ao homem tem face de gaiola.
– Queres me consolar, viajante?

– Isso não é um consolo, é a mais sincera realidade. E como prova do que eu te digo, hei de fazer uma promessa: assim como todos que cruzam meu caminho, tu também deixarás tua pegada. Levar-te-ei comigo não só como uma lembrança. A tua forma de vida será o meu maior aprendizado, a minha maior lição. Farei de ti o principal guia em minha jornada. Serás marca para toda a vida…

 

Texto originalmente publicado no site Revertério.

 

Foto: arquivo pessoal.

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