Vestido xadrez

Fixei os olhos no alto do armário velho e aguardei ansiosamente. As mãos claras da minha mãe abriram a porta superior com cuidado e remexeram várias sacolas plásticas guardadas ali há um tempo que não era possível mensurar. Em poucos minutos, retirou um embrulho pequeno e o levou até a mim.

– Abra.

Toquei as fitas amareladas pela tinta dos anos e deixei o invólucro revelar o seu conteúdo. O cheiro de mofo invadiu as minhas narinas e arrancou-me alguns espirros. Mas, ao me recuperar, dei-me conta de que lá estava ele: o vestido xadrez. Puxei-o, com gestos tímidos, sentindo-me culpada por não ter ensaiado passo a passo este momento. O glorioso momento.

– Veja se serve.

Serviria, com certeza. Há muito tempo esperei pelo vestido xadrez, e não queria tornar essa espera em vão. Mais à vontade, senti-me no direito de observá-lo. As listras em tons de vermelho contrastavam com o fundo verde-bandeira. A renda branca fazia o acabamento em contornos suaves. Exatamente como vi nas fotografias.

Feito por minha avó, quando suas mãos ainda eram hábeis na agulha, o vestido foi dado de presente à minha mãe em um tempo de exatidão já esquecida. Como um tesouro que não se pode perder entre as gerações, chegou à minha irmã. Daqui a alguns anos, seria da filha que ela traz no ventre. Mas hoje, ninguém me roubaria este momento. Hoje, ele era meu.

– Vamos, vista.

Entrei no vestido como se entrassem em um conto de fadas. Adivinhando meus pensamentos, minha mãe nem pediu permissão quando começou a trançar meus cabelos. Agora, o ritual estava completo. Eu finalmente teria as minhas fotografias, para contemplar, depois, orgulhosa. Desfilaria naquela noite como tantas outras garotas da minha idade, mas, sem saber explicar, aquilo para mim era algo totalmente incomum.

– Sei que está antigo, mas não temos condições de comprar outro…

Eu não queria outro. Queria aquele vestido xadrez. Listras coloridas, traçando-se perpendicularmente umas sobre as outras. Algo que a minha mãe não ousaria me contar, mas  eu conseguia enxergar claramente naquelas cores, é que o xadrez é como as pequenas coisas em nossa vida. Pessoas, histórias, sonhos: tudo se cruza em algum momento, aqui e acolá, deixa seu ponto de intersecção e segue em frente até morrer no acabamento. E então a renda vem coroar o fim com a sua beleza, pois sempre há algo de trágico e belo no fim.

Por isso só me serviria aquele vestido. Cravado pelas marcas da minha família, agora era a vez de deixar a minha. Percorreria o labirinto daquelas listras, e ali desenharia as minhas sensações, medos, alegrias, planos e segredos. E não importa quais seriam os seus destinos, eu já estava preparada para contemplar a delicadeza da renda.

– Já está anoitecendo. Você não vai querer se atrasar.

Eu não estava atrasada. Estava pronta para o desfile, as danças e os adeus. Eu era uma criança pronta para a vida.

 

 

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