Diálogos com Seu Moço XVI

Essa canção é sobre tudo o que não foi, Seu Moço. Sobre o que teria sido se ela não se fosse e sobre o presente agora passado sem piedade jogado ao fundo do fosso. Nota que essa canção traz nota desafinada desafiando o bom tom. Não me culpe: desde que ela partiu, Seu Moço, dei falta de parte da minha partitura. Pés titubeiam em falta de direção, mãos tecem dedilhadas ao vão, cordas adormecem quando se acorda o violão, e rimas se esquecem de rimar. Desconfio que meu ritmo se foi retido em suas retinas. O vazio virou poesia, a poesia virou cifra, mas ela não se virou jamais nem pra uma última olhadela pra trás. Não há quem decifra a razão de ir e a vazão de ficar. Seu Moço, se o senhor ainda hoje escutar ao longe um choro – talvez seja somente um corpo em falta de cantar em coro – apenas escuta. Não tenta adivinhar se ele vem do meu violão ou do meu coração.

Essa canção é sobre tudo o que passou a ser, Seu Moço. Sobre as faces que ganharam seu rosto, lugares que de suas curvas imitaram o fino contorno e brisa de fim da tarde com o cheiro do seu cabelo grosso. Tem pedaços dela espalhados em toda esquina, e eu sigo tropeçando a cada tentativa de esquiva. Nas ondas daquela respiração ainda mora a minha frequência. Pelas ondas daquele suor ainda me afogo em abstinência. Minha letra tenta cantar sobre ponto final, mas meu peito só compõe reticência. O tempo não me acode, eu não consigo tocar novo acorde e permaneço inerte até que o som do seu passo fazendo outro par me acorde. Não me entenda mal, Seu Moço: eu bem sei que meus dedos andavam calejados por embalar aquela antiga cantiga. Eu e ela fomos dueto que desafinou e no fim ninguém mais encontrou a saída. Essa canção é sobre saudade do que jamais poderia ter sido. Seu Moço, se o senhor ainda hoje escutar ao longe um lamento polido – talvez seja somente a acústica de um peito em busca de abrigo – apenas escuta. Não há mais nada que se possa ser feito, meu amigo.

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