Diálogos com Seu Moço XIV

Cai a chuva, sopra o vento, canta a nuvem em trovoada. Cai a ficha, sopra o choro, canta a oração há tanto guardada. Esse cântico pede calma e calidez – é reza ensaiada. Essa tempestade traz alago e alívio – é água salgada. Os pingos desenharam o vidro ou é minha vista que está embaçada? Seu Moço, não sei se te peço uma prece ou um lenço. Se preciso de fé ou de barco a remo. Meu peito é marujo perdido no temporal – cansado de nadar em viagem, mas temente às parábolas sobre demônios que habitam na margem. Não sei mais o que dizem a bússola e os versículos, não sei se estou indo em frente ou andando em círculos, se a dor vem dos músculos a nado ou dos olhos ao nada.

Eis que se silencia a oração e vai embora a trovoada.

Me conta, Seu Moço: onde acaba a metáfora e começa a vida? Onde se fecha a imaginação e se abre a ferida? Depois que a água entra pelo ralo, depois que as velas se apagam, depois que se rasgam os salmos, depois que o céu está calmo, depois que se esgota o dilúvio pagão e o divino conselho, depois que a gente fica nu em frente ao espelho… Ah, como eu pude duvidar? Minha terra firme também é minha crendice: palavras, são elas minha única salvação. Depois de despida, palavras são o meu reflexo. Eu estava enganada, Seu Moço. Hoje, é só lápis e papel que te peço.

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